As origens da maior fornecedora de professores do Sertão Central e a figura responsável por ela
Foto: Fernanda Carmo.
Luiz Oswaldo Sant’Iago Moreira de Souza nasceu em Natal/RN, no dia 26 de agosto de 1946, filho de um casal conservador e de orientação católica. Iniciou os estudos no Colégio São Luís/RN, com seis anos de idade, de onde foi expulso por questionar a professora, durante uma aula de História, sobre algo que lhe incomodava. E esta pergunta foi interpretada pela mesma como uma falta de respeito. Depois disso, passou três anos no Colégio Salesiano, também em Natal, onde concluiu seu curso primário, assim chamado na época. Realizou exame de admissão e ingressou no Seminário Salesiano, em Carpina/PE, permanecendo por seis anos. Passou um ano como noviciado em Jaboatão; cursou dois anos de Filosofia e Pedagogia na Faculdade DomBosco em São João Del-Rei/MG, de onde também foi expulso, e mudou-se para Recife. Com quatro meses foi novamente expulso, agora de Recife, e de lá se mudou para Baturité, onde residiu durante dois anos e meio, quando resolveu sair da congregação, partindo assim, para Pedra Branca/CE, onde viveu os anos de 1970 e 1971.
Em 1972, começou a trabalhar no Banco do Brasil de Quixadá, depois de uma história muito conturbada: apesar de ter ficado em terceiro lugar do país, aguardou dois anos para ser chamado. Após chegar a Quixadá não quis mais sair, pois se apaixonou pelo lugar. Ausentou-se de Quixadá para ocupar um cargo no Conselho de Administração do Banco do Brasil, órgão máximo do banco, durante dois anos, e mais um ano como reitor da universidade do banco, retornando então para Quixadá três anos depois. Em 2003 foi para Brasília, ser vice-presidente no setor de gestão de pessoas e responsabilidade socioambiental do banco até 2009 quando passou para a direção do Ministério da Pesca, no setor de apicultura em águas continentais, retornando para o Ceará apenas em 2012.
Quando chegou a Quixadá pela primeira vez, Luiz percebeu que essa era a única região no estado do Ceará que não possuía nenhuma instituição de ensino superior. Em Limoeiro do Norte existia a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM/UECE); no Cariri havia a atual Universidade Regional do Cariri (URCA); em Sobral, a Faculdade Dom José, todas criadas pela Igreja Católica; e em Fortaleza, a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade Estadual do Ceará (UECE) e a Faculdade de Filosofia de Fortaleza (FAFIFOR), que também havia sido criada pela igreja. Naquela época a UECE estava nascendo e a igreja não criava mais faculdades, deixando nossa região ao léu. Isso desencadeou a ideia de se ter uma faculdade aqui em Quixadá. Na mesma época, Luiz Oswaldo havia sido chamado pelo prefeito Aziz Okka Baquit para ser secretário de educação e, então, essa ideia começou a ser trabalhada. Criou-se, então, a Faculdade João XXIII por decreto. Luiz acreditava que havia a necessidade inicial de preparar os alunos, o que fez pulando de quatro mil alunos matriculados, só no primeiro ano, para vinte e um mil.
Nesse período o Estado tinha poucos recursos, mas com uma visita do governador César Cals a Quixadá, Luiz fez uma reinvindicação para o mesmo, que prometeu auxílio desde que houvesse a doação do terreno. Luiz conseguiu a compra de um terreno pela prefeitura, localizado no Alto São Francisco, onde hoje se encontra o colégio César Cals. Essa localização do terreno foi responsável pela moção de repúdio feita pela câmara dos vereadores a Luiz Oswaldo, alegando que a faculdade seria construída “no meio do mato”. O mesmo aconteceu quando da construção da Faculdade, de fato, em outra localização e onde ela se encontra atualmente. Hoje, ambas se encontram em bairros bastante populosos.
A luta pela faculdade, que era sonho de todo quixadaense, teve bastante apoio da comunidade, levando ao surgimento da Fundação Educacional do Sertão Central (FUNESC), que tinha o objetivo de envolver toda a região. Aos poucos foram feitas rifas, bingos e houve ainda a doação do terreno feita pelo fazendeiro Sr. Quinzinho. Porém, nesse terreno localizavam-se as ruínas do antigo matadouro da cidade que abrigava quatro famílias. O juiz quis dar ordem de despejo para essas famílias, mas isso não foi permitido pelos fundadores, pois não viam significado em começar uma casa de educação com uma ordem de despejo. O problema foi resolvido com uma gincana feita nas escolas da cidade e em apenas três dias arranjou-se material de construção para dez casas, que foram erguidas em mutirão e ocupadas pelas famílias que seriam despejadas e outras seis que estavam desabrigadas.
Em um dos bingos realizados em prol da construção da faculdade houve um episódio que mostra o grande empenho do povo quixadaense nessa ação. Os funcionários da faculdade (já havia funcionários, pois, embora sem aulas e antes mesmo de estar com a estrutura física totalmente terminada, a faculdade já prestava diversos serviços à população, como a biblioteca, por exemplo) compraram bilhetes de um bingo, que tinha como prêmio dois garrotes e dois carneiros, e prometeram que se ganhassem o jogo doariam os prêmios novamente para a faculdade. O desfecho da história é que dos quatros animais sorteados apenas um carneiro não foi ganho pelos funcionários. “Não há como se esquecer da grande sorte desses indivíduos”, relata Luiz. Os animais foram doados novamente em prol da mesma causa e, desta vez, foi feita uma rifa ao invés de bingo para que os prêmios saíssem de fato.
A construção da faculdade iniciou-se tendo apenas vinte e nove cruzeiros na conta e a folha da semana girava em torno de mil e quinhentos. No entanto, durante todo o período de construção, o ex-prefeito Aziz Baquit, emprestava o dinheiro todo fim de semana e à medida que era possível, a comunidade, com muito empenho, pagava. Os trabalhos só foram interrompidos, por falta de recursos, durante uma única semana, uma vez que havia a contribuição de toda a cidade. Houve casos de pais de famílias carentes querendo doar quinhentos cruzeiros. Entretanto, Luiz sendo conhecedor da situação, aceitava apenas uma parte. Havia alunos do antigo Grupo Adolfo Siqueira, hoje chamado Terra dos Monólitos, que faziam cota com o dinheiro que traziam para a merenda, em torno de vinte ou trinta cruzeiros, juntando um total de duzentos cruzeiros e doavam. Houve jantares, por exemplo, em que se era convidado para jantar, pagava-se caro e ainda tinha que trazer a comida se quisesse comer. Ou seja, havia uma participação popular muito intensa e foi assim que conseguiram levantar o prédio original, que levou um ano e meio de construção.
Concluída a estrutura física, sucedeu a inauguração que deixou a população surpresa com a chegada de dois aviões de políticos, entre eles o governador, para participar da solenidade, sem convite algum. Na ocasião, o governador prometeu o pagamento do restante da dívida, além de ajudar na compra do mobiliário. Com apoio do deputado Everardo Silveira, que recebeu a visita do futuro governador Gonzaga Mota, foi possível autorizar a UECE a encampar a faculdade recém-construída. A escolha em fazer parte da UECE foi causada por um motivo muito peculiar: a UFC já possuía um carimbão muito específico; a Universidade de Fortaleza (UNIFOR) se interessou, mas não seria adequado que a faculdade construída com muito esforço da população fosse vinculada a uma instituição privada, onde seus filhos tivessem que pagar para estudar, e então, optou-se pela UECE, que, inclusive, era um caos na época. Ademais, Luiz afirma que a contribuição desta recém-criada faculdade, nominada Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (FECLESC), para a UECE foi bem maior que a da UECE para a FECLESC e um argumento que comprova isso é o fato de que o reitor seguinte enviou um grupo de pessoas para adquirir experiência e fazer todo o planejamento da UECE baseado na FECLESC.
Durante todo esse período havia sempre a preocupação para que as coisas fossem acontecendo dentro de uma ordem pré-estabelecida de planejamento. Sentia-se que não era coerente pensar em outros cursos, sem antes pensar no magistério, porque, com as palavras de Luiz Oswaldo, “você pode viver sem contador, sem psicólogo, sem advogado e até mesmo sem médico, mas nenhum deles consegue chegar à universidade sem o professor. E é por isso que a FECLESC se dedica ao magistério”.
O primeiro curso criado foi o de Pedagogia, junto com o curso de Licenciatura Curta em Ciências e o primeiro vestibular foi realizado em 18 de abril de 1983. As aulas se iniciaram no dia 26 de abril do mesmo ano e ainda no dia 29 foi realizada a solenidade da aula inaugural. No semestre seguinte, conseguiu-se convencer a reitoria a criar o curso de Licenciatura em História. Depois, criou-se o curso de Letras Português e Letras Inglês, nessa ordem. Com o passar dos anos, o curso de Licenciatura Curta em Ciências se desmembrou em outros quatro cursos: Licenciatura em Matemática, Física, Biologia e Química. E essas são as oito graduações oferecidas, hoje, pela FECLESC.
Em 24 de maio de 1983, ocorreu um fato interessante que marcou logo o início do funcionamento da FECLESC. No dia do centenário da libertação dos escravos de Quixadá, Luiz Oswaldo realizou um debate na faculdade e trouxe para a discussão um vaqueiro, um gari, uma professora municipal, uma doméstica e uma prostituta. O fato de se ter uma prostituta dentro da faculdade proporcionou uma campanha pela qual se afirmava que Luiz Oswaldo havia trazido prostitutas para dar aulas para as senhoras de bem de Quixadá. Segundo ele, isso era uma forma de mascarar a insatisfação dos poderosos com o resultado do debate, pois se chegou à conclusão de que o caráter da escravidão ainda permanecia na cidade, sendo citados, na ocasião, nomes de fábricas e estabelecimentos comerciais.
Esse acontecimento, e outros, levaram a um rompimento das boas relações com a UECE, motivados por questões políticas. Ainda na questão política, o governo de Quixadá se mantinha contra a FECLESC, pois, de certa forma, ela estava mudando a forma de pensar da região. E foi a partir mesmo da criação da FECLESC que houve uma mudança política em todo o Sertão Central, o que fica como sugestão do próprio Luiz Oswaldo para alguém da História analisar, não só esta, mas todas as séries de contribuições da FECLESC para a comunidade.
A existência dessa faculdade hoje deve muito, também, ao movimento estudantil, que era formado por professores da FECLESC e que sentiam a necessidade de se opor ao status quo, isto é, sentiam a necessidade de tentar a libertação, de tentar crescer, de buscar autonomia, conseguindo garantir o reconhecimento dos Cursos pelo Conselho Federal de Educação. Da FECLESC saiu ainda o nascimento da APROMICE – Associação das Professoras Municipais do Interior do Ceará. Vale ressaltar que esse movimento se expandiu e deu origem ao Sindicato dos Servidores Públicos de todo o Ceará.
A FECLESC ainda chegou a criar extensões nas cidades de Senador Pompeu e em Baturité, mas não vigorou, pois ao abrir os mesmos cursos nessas extensões, houve um esvaziamento tanto nas extensões como na própria FECLESC, havendo assim a necessidade de fechá-las. De acordo com Luiz, é interessante a presença de faculdades nas várias cidades, porém com cursos diferenciados, pois ao se ofertar os mesmos cursos, surge uma concorrência interna que pode ser prejudicial a ambas.
Em abril de 2018, a FECELESC comemoria 35 anos de funcionamento, e em 2017, contava com Luiz Oswaldo novamente na direção, tentando prestar maiores serviços à comunidade, através de escutatórias feitas para elaborar o plano de gestão; oferecendo cursos em parceria com o Sindicado dos Servidores Públicos, além de trabalhar com outros sindicatos; proporcionando projetos de extensão na comunidade; iniciando um trabalho com a Escola da Terra em Ocara, entre outros; tudo isso como uma tentativa de retornar um pouco às suas origens, pois a FECLESC é filha do povo de Quixadá e não pode se ausentar desse ambiente.
Em resumo, desde 1983 a FECLESC formou sucessivas turmas de educadores que hoje estão espalhados por todo esse Sertão Central e abrange alunos das mais diversas localidades: Aracoiaba, Aratuba, Baturité, Guaramiranga, Irapuã Pinheiro, Milhã, Ocara, Pacoti, Pedra Branca, Piquet Carneiro, Quixeramobim, Solonópole, etc. Em 2017, possuía quatro cursos de mestrado: um Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação (MAIE) – FECLESC/FAFIDAM; um Mestrado Profissional em Matemática (PROFMAT), um Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (MNPEF) e um Mestrado Interdisciplinar em História e Letras (MIHL). Além disso, tinha sido aprovado no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UECE, e deveria ir à avaliação do CONSU no mês seguinte (ao da entrevista, que ocorreu em setembro de 2017), mês de Outubro, e em seguida para a CAPES, mais dois novos mestrados: um mestrado de ciências moleculares e o outro, mestrado acadêmico em física e, ainda, tinha-se em horizonte a criação de outro mestrado em educação e formação de professores, que poderia, no futuro, vir a ser um curso de doutorado.
Portanto, Luiz Oswaldo é a figura responsável pelo nascimento da FECLESC que hoje fornece professores para toda a rede de ensino do Sertão Central. É respeitado e admirado não só por atuais e ex-alunos dessa faculdade, mas por todos que conhecem seu trabalho e sua dedicação pela Educação e por um mundo melhor, levando sempre com simpatia, bom humor e luz tudo aquilo que está a sua volta. E esta é apenas uma pequena parte de sua grande história de vida e luta.
Autora: Fernanda Maria Almeida do Carmo
Data: 09 de abril de 2021