3 A Sequência Fedathi ao longo dos anos

Como mencionado anteriormente, a metodologia de ensino Sequência Fedathi foi idealizada pelo professor Hermínio e formalizada em seus estudos de Pós-doutorado. A denominação “Fedathi” nasceu da junção da primeira sílaba de cada um dos nomes de seus filhos: Felipe, Daniel e Thiago. Desde então, a Sequência Fedathi veio/vem sendo estudada pelos pesquisadores integrantes do Laboratório MultiMeios e, com isso, desenvolvendo-se ao longo dos anos. Importante destacar que ela é a espinha dorsal do MultiMeios, sendo trabalhada em todas as áreas e temáticas que esse laboratório desenvolve (TORRES, 2018). A expansão do Laboratório MultiMeios ocorreu paralelamente com o desenvolvimento da Sequência Fedathi.

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Contaremos, daqui em diante, a história do Grupo Fedathi e da trajetória acadêmica do professor Hermínio com mais detalhes, bem como de suas influências, que deram origem a Sequência Fedathi, a partir da palestra intitulada “As origens do Grupo Fedathi“, ministrada pelo professor Hermínio na Segunda MultiMeios, no dia 24 de maio de 2021.

Antes de 1979, o professor Hermínio teve algumas experiências com o tema Ensino de Matemática. O professor Hermínio foi visitante da Universidade de Brasília (UnB), onde trabalhou com a modalidade de Instrução Programada para os cursos básicos de Matemática. Nessa experiência, ele começou a notar que o professor é quem faz a grande diferença, em qualquer metodologia que se trabalhe. Ele explica que a Instrução Programada era o tipo de atividade, hoje chamada de sala de aula invertida, em que os alunos estudavam, e depois aplicavam-se testes para saber se eles haviam aprendido aquele conteúdo e, só então, avançar. Essa era a estrutura que o professor Hermínio tinha em 1972, na UnB, na época em que era estudante de mestrado [10].

O professor Hermínio ministrava a disciplina de Cálculo II para 250 alunos, divididos entre ele e um colega. Sua fila de atendimento aos alunos era imensa, enquanto que a de seu colega, que também era matemático formando pela UFC, era pequena. Então, o professor Hermínio começou a se questionar, a refletir acerca dessa questão. Conversando com seu colega, percebeu que isso acontecia por que ele fazia a diferença com os alunos, conversava, dialogava, não trabalhava com questões do tipo certo ou errada. Enquanto que o seu colega achava que os alunos tinham que ver a solução pronta e não discutir nada. Era, simplesmente, apresentar a questão pronta, fazer as contas. No caso do professor Hermínio, ele apresentava a questão, dava sugestões, colocava os alunos para refazer as atividades e sempre pedia para que eles explicassem as contas feitas. E, no fim das contas, o professor Hermínio conseguiu que alunos fizessem Cálculo II e Cálculo III com ele, no mesmo semestre, dentro da atividade de Instrução Programada. Essa situação foi aceita pela UnB que, segundo ele, foi aberta e acessível [10].

O professor Hermínio sempre teve essa preocupação. Durante seus cursos de mestrado e doutorado teve professores excelentes. No mestrado, ele cita um único professor de Geometria, Lucas Barbosa, que o considerava um fenômeno dando aula. Outro professor, Marcelo Clein, praticava o que se chama “selfie-contained”, em outras palavras, autosuficiência, autosuficiente. Esses professores partiam sempre de um problema, de uma situação contextualizada, fosse para demonstrar teorema, fosse para ministrar aula de exercícios e, a partir daí, iam desenvolvendo os conceitos. Para os pré-requisitos necessários que os alunos não possuíam, eles tiravam as dúvidas na hora. De acordo com o professor Hermínio, esses foram os professores do Ceará que o serviram de guia, além de outros, nesse sentido de selfie-contained [10].

Quando o professor Hermínio entrou para a Matemática, ainda no contexto do curso de mestrado, foi dentro de um projeto do antigo Instituto de Matemática onde tinha convênios com os Estados Unidos e com as universidades francesas. O professor Hermínio teve a sorte de, desde o primeiro ano, ser aluno de uma professora americana e de dois professores franceses que trabalhavam selfie-contained. Ele relata que esses professores perguntavam o que o aluno estava estudando e, em seguida, pediam para que ele resolvesse um determinado exercício. Com a resolução do problema, eles montavam o selfie-contained. Discutiam e ajudavam a partir das questões dos alunos. Ou seja, estavam mostrando como o matemático trabalha, como se constrói conhecimento em matemática [10].

Já no curso de doutorado, ele teve a sorte de ser aluno dos professores Karl Otto Stohr, seu orientador, Elon Lages Lima, Otto Endler, Yves Lequian, entre outros excelentes professores. Todos eles eram selfie-contained. Segundo ele, se esses professores iam ministrar um curso, não havia a questão dos pré-requisitos, eles começavam das coisas mais simples e iam trabalhando o que hoje o professor Hermínio chama de Situação Generalizável. Ou seja, parte-se de uma situação, vai-se desdobrando, paulatinamente, refinando aos poucos, até chegar no conceito mais sofisticado – ele explica. Ademais, ele destaca que esses professores foram os seus gurus, acrescentando ainda o seu professor Francisco Silva Cavalcante [10].

Em sua tese de doutorado, o professor Hermínio estudava sobre Corpos de Fórmula Produto. Ele explica que são corpos onde se escolhe duas transcendentes sobre esses corpos e gera um novo corpo a partir dele. Além disso, existia uma relação não algébrica sobre essas variáveis transcendentes que geravam o corpo. Ele relata que, na época em que foi trabalhar com isso, início de sua tese, o que se tinha era o instrumental dos anos 1920 e poucas pessoas podiam ter acesso a um dos teoremas fundamentais dos Corpos de Fórmula Produto, à sua caracterização. Destaca também que, seu trabalho foi uma disputa com seu orientador, Karl Otto Stohr, num desafio para ver quem conseguia fazer essa conceituação mais rápido, da forma mais intuitiva e mais ingênua [10].

Conforme o professor Hermínio, nos anos 1920 esses corpos eram tratados com uma nomenclatura multiplicativa e era muito difícil arranjar ferramentas que pudessem trabalhar com estruturas envolvendo as variáveis aditivas. Por trás, estava a Teoria das Valorações, tese de doutorado de Endler. E o que o professor fez em seu trabalho de doutorado foi utilizar essa tese e fazer a caracterização do Corpo de Fórmula Produto utilizando as características aditivas e não as multiplicativas, o que deu um grande “boom” na ferramenta [10].

Ele revela que o seu orientador foi quem ganhou a disputa, pois fez a demonstração mais sofisticada e mais elegante do que a do professor Hermínio. O que era de se esperar, segundo ele, pois ainda estava sendo orientado [10].

O professor Hermínio conta que esse trabalho teve um peso grande. Foi apresentado no Seminário de Aritmética, um seminário internacional, que ocorreu em 1980, na Unicamp. Nesse seminário, estava sendo discutido os Corpos de Funções Algébricas, com estrangeiros, inclusive da França e da Alemanha. Este último, era o grupo em que o professor Hermínio estava muito “afilado”. Segundo ele, na realidade, estavam lá para ver o que ele tinha produzido em sua tese. Era o primeiro artigo escrito por ele, abordando os Corpos de Fórmula Produto, em 1977/1978, que eles queriam ver. Pois, eles conheciam a forma multiplicativa, mas não conheciam a caracterização usando a forma aditiva [10].

Destaca, ainda, que esse artigo foi muito importante para ele. O editor-chefe da segunda melhor revista de Matemática do mundo estava assistindo sua apresentação nesse seminário. Após a palestra de encerramento, efetuada pelo professor Hermínio, o editor-chefe o indagou se o artigo já tinha sido publicado. O professor Hermínio respondeu que não. Então, ele pediu que o enviasse do jeito que estava para ser publicado na revista. E, de fato, foi publicado, sem nenhuma alteração [10].

Essas são as origens do professor Hermínio na Matemática. Ele relata sempre ter tido consciência do que seria o “selfie-contained”, sempre tentava usá-lo e, também, de sempre ter em vista fazer uma tese selfie-contained que, provavelmente, conseguiu. Além disso, ressalta que sua tese de doutorado tem apenas 5 referências, sendo 2 artigos seus e os outros 3 de matemáticos premiados com a Medalha Fields [10].

Depois do doutorado, ele conta que realizou algumas atividades durante o período de 1979 a 1986 e que, durante esses anos, pôde ver como são os preconceitos e entender a dificuldade que se tem para fazer a mudança de comportamento, de atitude do professor [10].

Quando voltou para o Ceará, ele relata que a primeira coisa que fez foi montar um curso de Instrução Programada, na disciplina de Topologia do curso de Matemática da UFC. Isto é, a proposta da disciplina de Topologia era trabalhar com Instrução Programada. Nessa época e nesse curso de Topologia, o professor Hermínio dava aula na sala de reuniões do Departamento de Matemática da UFC. Esta sala se localizava após a sala do chefe de departamento. Nesse caso, todos que iam falar com o chefe, viam o professor Hermínio ministrando aula. A partir de então, a voz recorrente era: “Bastou o professor Hermínio terminar o doutorado que não quer mais dar aula”; “Agora ele fica o tempo todo sentado, vendo os alunos fazerem alguma coisa”. Entretanto, ele afirma que os resultados foram ótimos, pois foi começando a ver que tudo dependia do professor, não da metodologia. A metodologia é considerada pelo professor Hermínio o grande risco da formação de professores, pois o pessoal inventa novidades, mas o problema continua o mesmo. Para ele, deve ser trabalhado fortemente o professor. Assim, o que vier, o professor conseguirá desenrolar [10].

Essa Instrução Programada se repetiu no curso de Topologia, pois teve muita vantagem. Ele narra que a disciplina de Topologia era um “filtro”, que a desistência dessa disciplina era muito grande. Com a Instrução Programada, a desistência foi zero. Para o professor Hermínio, quando se faz o nivelamento dos alunos, quando se tenta trabalhar com todos os alunos dentro de um currículo e correndo para cumprir o conteúdo, isso é a causa de uma boa parte das desistências, pois os alunos não acompanham, o ritmo deles não acompanha. Logo, cumprindo o conteúdo que deve ser explorado, só os melhores, ou parte deles, eram capazes de chegar ao fim [10].

Na disciplina de Topologia, o professor Hermínio mudou a regra. Com a Instrução Programada ele colocou em prática a experiência vivida na UnB e fez algo simples: os alunos deram seus ritmos. Ele exemplifica que, Cleiton Batista Vasconcelos foi um de seus alunos na época que viu todo o programa e que ainda sobrou tempo. Já outros alunos, fizeram parte do programa e ainda outros que fizeram exatamente o mínimo para passar na disciplina. Com isso, ele declara que ficou satisfeito, porque essa era uma disciplina que tinha reprovação de 60% e mudando a forma de trabalhar, dialogando com os alunos, conseguiu reduzir a reprovação à 0%, com desistência zero [10].

Depois o professor Hermínio foi fazer outras coisas, ele informa, tais como: estudar Computação, porque seu salário ficou extremamente achatado e ele precisava ganhar mais dinheiro para sustentar sua família. A outra opção seria ele ir morar na Alemanha ou na França atendendo aos convites que lhe fizeram. Porém, ir morar fora não passava pela cabeça de sua família. Então, ele teve que aprender a mexer com computador, abrir loja de computação, virar programador. Segundo ele, ganhou muito dinheiro, entretanto, não tinha sido formado pra fazer isso [10].

Por volta do ano de 1986, quando foi chefe do Departamento de Matemática, ele conta que sentiu alguns dramas. Recebeu da pró-reitora da época uns indicadores de desempenho dos cursos ofertados pela Matemática. Na época, eles ofereciam disciplinas para cerca de 44 licenciaturas ou graduações que a universidade tinha. Quase todo curso tinha disciplina de matemática. Na área da saúde, todos os cursos tinham disciplina de Matemática, por exemplo. Quando recebeu os relatórios da pró-reitora, com a média de reprovação em 60%, ele convidou-a para analisar a reprovação, para ver a situação daqueles que tinham ido para o exame final. Na realidade, ele estava desviando o foco dos números, porque grande parte dos 60%, cerca de 40%, desistiam no meio do caminho. Com essa conversa, ele conseguiu desviar a atenção da pró-reitora, pois o foco não era os alunos que iam para o exame final e eram reprovados, o foco era os alunos que desistiam. No fim das contas, o que acontecia era que, como todo chefe de departamento, o professor Hermínio estava defendendo o seu público [10].

Tomando medidas, o professor Hermínio fez a chamada provas unificadas, que aconteciam da seguinte forma, ele explana: pegavam-se as disciplinas obrigatórias do 1º e 2º ano do curso de matemática, os Cálculos I, II, III e IV, as Álgebras Lineares, as Geometrias Analíticas e os Desenhos Geométricos, e as provas eram feitas num único dia. Havia duas provas por semestre, AP1 e AP2, e cada uma delas era realizada num determinado dia de sábado pela manhã. Por exemplo, todas as provas de Cálculo II eram realizadas num determinado dia de sábado pela manhã. No entanto, eram separadas por áreas: ciências agrárias; tecnologias; exatas; saúde etc. Todos faziam no mesmo dia, mas com conteúdo de prova diferente [10].

Segundo o professor Hermínio, por conta disso, aconteceram coisas incríveis. Os alunos começaram a chegar para ele e reclamar de como as coisas estavam funcionando. “O professor Hermínio não está dando aula”; “Ele está enrolando a gente; “Como é que vai ser? Eu vou fazer prova daqui a um mês? Com o conteúdo super atrasado? Como é que a gente vai fazer?”. Para o professor Hermínio, isso serviu para tomar certas atitudes de controle do professor. E aí as pessoas questionam: “Poxa! E como vc fez isso?”; “E a autonomia do professor?”. De acordo com ele, a autonomia do professor não foi mexida. Porque o professor tinha autonomia para dar a sua aula do jeito que quisesse, mas tinha que cumprir um programa, que tinha sido aprovado pelo departamento. Então, era dever do professor seguir. “O professor tinha a liberdade de cátedra dele, mas tinha que seguir um programa. Não podia, por exemplo, ficar pregando o evangelho dentro da sala de aula”. E, segundo o professor Hermínio, tinha professor que fazia isso, e que acabou deixando de fazer, pois, algumas técnicas foram utilizadas. Depois disso, esse docente se tornou o professor mais exigente do Departamento de Matemática. E, ainda de acordo com o professor Hermínio, ele era um professor de mão cheia. Isso funcionou bem. No entanto, ele relata que, infelizmente, depois que saiu do curso de Matemática, deixaram de fazer, pois dá muito trabalho [10].

Há uma dissertação que foi um marco para o professor Hermínio, a de Cleiton Vasconcelos, orientada por ele. Segundo o professor Hermínio, a dissertação em Matemática funciona da seguinte forma: seleciona-se um artigo e coloca o aluno para “descascar”. Mas o professor Hermínio não fazia dessa forma. Não era, simplesmente, fazer as provas nos mínimos detalhes. Ele indicava algo e pedia para que o aluno fizesse a parte de autoria dele. Não era só “descascar”, tinha que ter contribuição [10].

Esse trabalho do Cleiton foi um marco na posição do Prof. Hermínio com respeito ao Ensino de Matemática, segundo o mesmo. Ele explica que a dissertação de Cleiton aborda os Anéis de Dedekind, um conteúdo de álgebra comutativa, trabalhado apenas nos cursos de doutorado, pois é um conteúdo de matemática sofisticado. A missão de Cleiton foi “descascar” algumas notas de aula do professor Hermínio, junto com um artigo de Claborn, e fazer com que um aluno de 3º ano da graduação conseguisse entender o que ali estava escrito. Isto é, que um aluno que tivesse terminado a disciplina de Estruturas Algébricas fosse capaz de entender os escritos [10].

Ele resume que, o Cleiton fez o que os professores dele praticavam: selfie-contained. Só que não aplicou. O professor Hermínio afirma que, na sua época, aplicar em sala de aula era loucura. Ele queria apenas que o Cleiton fizesse o trabalho de modo que o aluno de 3º ano da graduação em Matemática pudesse entender [10].

Outra coisa que ele fez também dentro desse pensamento acerca das provas unificadas e do trabalho com Cleiton, foi uma parceria com o PPGE/UFC. Ele conta que fizeram um convênio de modo que 4 professores do Departamento de Matemática puderam ingressar como aluno e fazer um mestrado em Educação. A grande dificuldade era que, se esses 4 professores fossem fazer a prova escrita de seleção, eles não entrariam, porque não tinham condições. O professor Hermínio deixa claro que fala isso sem medo nenhum, pois, se ele mesmo também fizesse a prova, não entraria. E mesmo sendo professor do PPGE/UFC, de ter formado várias pessoas, e continuar formando, garante, com toda certeza, que se fosse fazer uma prova daquela escrita, não passaria. Então, para ele, não foi vexame nenhum, era simplesmente uma questão de contexto. Esses 4 professores que ele levou para a Educação, fizeram trabalhos discutindo metodologia de ensino, como trabalhar, como deveriam ser as aulas de matemática [10].

Essas são as origens do professor Hermínio na Educação, quando, em 1986, ele levou esses 4 professores da Matemática para o mestrado no PPGE [10].

“Tudo que você faz com boa intenção dá certo” [10].

Mas destaca que, para isso, teve que pagar um preço. Na FACED/UFC existia um projeto, chamado “EduRural”, que segundo ele tem tudo a ver com Educação do Campo, financiado pelo MEC, onde faziam parte os professores: Osir Tesser, Jacques Therrien, Suzana Jimenes, Ana Iório, Mercedes Capelo. Desses, a única pessoa que ele não conhecia na época era a professora Ana Iorio. Então, pediram para ele dar alguns pareceres em um material de Matemática desse projeto. À medida que ele ia dando os pareceres, ele foi se aproximando da professora Ana Iorio e a discutir com ela como os livros eram ruins.  Esses livros, segundo o professor Hermínio, trabalhavam dentro da Etnomatemática, mas não chegavam à sistematização do saber. Os livros forneciam regras, receitas, do senso comum, do senso do pessoal da terra, de modo que não havia a possibilidade de se trabalhar de um modo mais genérico. Assim, com a Ana, surgiu a ideia de discutir esses aspectos e foi aí que iniciaram as discussões: “Isso é questão do ensino”; “Isso é questão da formação de professor”. Nesse momento, iniciou-se o Grupo Fedathi, que ainda tinha alguma ascendência na Matemática [10].

Quando o professor Hermínio foi chefe do departamento, ele conta que teve a ideia de concentrar todas as disciplinas de 3 créditos nas quintas-feiras de 8h às 10h, porque a partir das 10h das quintas-feiras, o Departamento de Matemática não dava aula. Essa foi umas das medidas que ele criou. Seria um momento em que os professores iriam conseguir se reunir e fazer discussões. Então, começaram os seminários sobre os trabalhos dos colegas acerca da matemática pura, da matemática aplicada, nesta última, buscavam saber como o pessoal da Física e da Química usava matemática. Segundo o professor Hermínio, isso deu um ibope muito legal. A partir daí, começou-se a discutir o ensino de matemática e foi nesse momento que a professora Ana Iório entrou [10].

Ainda, o professor Hermínio historia que, nessas discussões a respeito do ensino de matemática, quando ele dava as sugestões, ninguém reclamava. Mas, uma vez, quando a professora Ana Iorio deu suas dicas, um dos professores falou para ela: “Professora, isso é Cálculo III, estou trabalhando um pouco de equação diferencial… A senhora sabe o que é equação diferencial? Como é que a senhora diz que estou fazendo essas coisas erradas?” O professor Hermínio interveio: “Meu amigo, ela não sabe isso aí, mas eu sei, mais do que você, e sou eu que estou dando as dicas pra ela”. Pronto, foi o suficiente. É o que o professor Hermínio sempre diz, está sempre em seus slides: profissional X professor da profissão. Ele afirma que, se o sujeito vai ser professor da profissão, ele tem que saber muita coisa de educação, além de saber o conteúdo. Tem que saber o conteúdo muito mais do que o que se precisa na sala de aula. Mas precisa também ter um arcabouço acerca da Educação. Então, para que o referido docente pudesse entender, o professor Hermínio esclarecia que a professora Ana Iorio entendia de Educação e ele, de matemática [10].

Depois, dentro desse grupo, eles fizeram cursos para professores e produziram vários materiais para a Secretaria da Educação (SEDUC), do estado do Ceará. Desse material saiu, de acordo com o professor Hermínio, um dos melhores trabalhos que ele já fez, pois tem tudo o que é a Sequência Fedathi. Um trabalho que ele realizou junto à professoa Ana Iorio sobre os números romanos revisitados. Para ele, é o “melhor artigo que se tem, um artigo extremamente sofisticado e que, geralmente, as pessoas não dão valor, talvez porque não entendam”, comenta ele, “porque a Ana Iorio escreve de uma forma tão boa e clara que, às vezes, o pessoal pode pensar que é trivialidade. E não é” [10].

Assim surgiu o Grupo Fedathi. Sua criação foi em meados dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando começava a se estabelecer grupos de pesquisa em Educação Matemática no Brasil. No Ceará, o grupo se estabelecia como pioneiro, pois foi o primeiro grupo reconhecido pela comunidade acadêmica. Isto é, o “boom” começou nos anos 80… Depois que ele se encontrou com a professora Ana Iório e começaram a discutir várias coisas. O professor Hermínio levava a professora Ana para a Matemática e, a partir daí, começaram a trazer mais pessoas. O grupo funcionava em forma de seminários sistemáticos que aconteciam na FACED ou no Departamento de Matemática. Apresentava-se um tema para ser dissecado e se iniciava a discussão, geralmente muito acalorada, por todo o grupo. Não havia uma apresentação por determinada pessoa [10].

O Grupo Fedathi foi reconhecido como um grupo que estudava e pesquisava sobre Ensino de Matemática no artigo de Tânia Campos, em 1994, quando os doutores em matemática estavam chegando ao Brasil e começavam a fazer revisões sistemáticas, identificando os grupos que estudavam matemática. O Grupo Fedathi foi o único do Ceará referenciado nesse trabalho [10].

A partir de 1997, começou a deslanche, junto ao MultiMeios (história brevemente contada na página anterior) que, ao longo do tempo, consolidaram a transformação do Grupo Fedathi com a Sequência Fedathi [10].

De acordo com o professor Hermínio, a “Fundamentação Teórica em Matemática” contém todo o fundamento da Sequência Fedathi, tudo que a Sequência Fedathi diz. A Sequência Fedathi, para o ensino de matemática, comenta ele, é uma proposta lógico-dedutiva-construtiva. O aluno coloca a mão na massa e o professor fica com a mão no bolso. O aluno vai desenvolver aqueles conceitos, aquelas teorias que estão sendo discutidas, ele vai desenvolver o raciocínio. “Isso é o princípio do que seja a Sequência Fedathi e está no livro que foi produzido pelo grupo para a SEDUC” [10].

O professor Hermínio destaca que o artigo “De como os pastores ensinaram a operar … ou E assim, a história se repete (os algarismos romanos revisitados)”, sobre como os romanos ensinaram a operar, artigo dele com a professora Ana Iorio, “contém todos os princípios do Grupo Fedathi, bem como todos os princípios que deram origem a atual Sequência Fedathi” [10].

A concepção de ensinar em que o professor Hermínio se baseia está na sua vida de matemático e nos seguintes autores: Lakatos, Polya, Brouwer, Heyting, que trabalharam a lógica construtiva ou intuicionista, e que foi muito trabalhada por Piaget. Além disso, os livros que ele usa como referência, são os seguintes clássicos: “A Experiência Matemática”, de Davis & Hersh; “¿que es la matemática¿”, de Courant Robbins; e os indica como livros excelentes para ler, para enxergar como se pode fazer uma matemática lógica-dedutiva-construtiva, tarefa que não é fácil; e a dissertação de mestrado de Cleiton Vasconcelos. O professor Hermínio reitera que a dissertação de Vasconcelos é, exatamente, um dos princípios da Sequência Fedathi, o “enxugar”, isto é, abordar apenas aquilo que é essencial. E o que não for essencial para se desenvolver deve ser deixado como atividade de exercício, para os alunos praticarem, colocarem a mão na massa. Conforme o professor Hermínio, essa é a essência do Grupo Fedathi [10].

Mas reforça que não se pode ficar apenas nisso, é preciso ter também o arcabouço da Pedagogia. Nesse sentido, os teóricos que fundamentavam o Grupo Fedathi eram: Piaget, Paulo Freire, Donald Schon e Ana Iorio, esta última, a especialista em Educação e Psicologia do grupo. Portanto, essas foram as 4 pessoas que basearam o grupo [10].

Em 1995, a Ana Iorio ingressou no doutorado em Educação, da FACED, e o prof. Hermínio no Pós-doutorado na Universidade de Paris 7, na França. Lá, o prof. Hermínio conviveu com os seguintes colegas de trabalho: Marc Rogalsky, Michèle Artigue, Régine Douady, Mary Janne Perrot. Desse modo, quando voltou de Paris, ele havia recebido uma pincelada da escola da didática matemática francesa. Uma das pessoas mais importantes que ele conviveu, segundo o mesmo, foi a professora Tânia Campos, que o influenciou bastante, quando começaram a trabalhar mais fortemente a Sequência Fedathi. Portanto, essas 6 pessoas fizeram com que realmente a Sequência Fedathi se desenvolvesse: Michèle Artigue, Régine Douady, Marc Rogalsky, Yves Chevallard e Guy Brousseau [10].

Depois disso, inicia-se a trajetória dele como professor na FACED, trazido pelos professores Ana Iorio e Jacques Therrien. Quando entrou para a FACED, ele foi trabalhar em projetos com o professor Jacques sobre o Telensino. Ele indica que o capitulo 1 do livro “EaD no estado do Ceará: história, memória e experiências formativas II” trata exatamente dessa pesquisa no Telensino [10].

A partir de 1997, com a vinda para a FACED, seu trabalho como educador começou a deslanchar. Quando chegou da França foi contratado pelo Insoft, como bolsista do CNPq, para orientar a produção de softwares educativos. E, com a criação do PROIN, ele obteve o pontapé inicial para deslanchar o Laboratório MultiMeios (veja sua história na página anterior). Foram esses trabalhos que deram origem à política de trabalho do MultiMeios [10].

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Aos poucos, a Sequência Fedathi foi se expandindo para outras áreas, tais como: Ensino de Física, Letras Italiano, Medicina etc. Pois, por ser baseada no método científico, no trabalho de um investigador, transposto para um ambiente de ensino, a Sequência Fedathi pode ser vivenciada em qualquer área do conhecimento. Essa metodologia permite ao professor fazer a escolha de mediação mais adequada, incluindo qualquer tecnologia, ferramenta ou recurso, para a construção do conhecimento pelo aluno, com participação ativa (BORGES NETO, 2020). Para isso, é preciso nela imergir. Lembrando que, o Laboratório MultiMeios está sempre de portas abertas e com um vasto acervo bibliográfico disponível, inclusive, grande parte dele online. Ainda, nessa trilha, a Sequência Fedathi já despontou como metodologia de pesquisa, caminhando para sua consolidação no âmbito acadêmico.

Finalizamos com, dentre o grande acervo bibliográfico produzido nos espaços físico, virtual e intelectual proporcionados pelo MultiMeios, a Coleção Sequência Fedathi, que já se encontra no seu 6º volume, além do livro que conta a história do Laboratório MultiMeios:


Foto: Fernanda Carmo.

 


2 O Laboratório MultiMeios: passado e presente


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