Utilizamos Lima (1995, p. 51-53) e Bellemain e Lima (2002) para apresentar uma estrutura matemática para o conceito de Área de superfícies planas, para o processo de medir área. Inicialmente, os autores convencionaram que o termo superfície significa um conjunto limitado do plano euclidiano. O ponto de partida foi definir uma função
, chamada função área, em um conjunto
de superfícies, com valores em
(os números reais não negativos) e que possua certas propriedades julgadas apropriadas para caracterizarem a Grandeza área, a saber:
i) positividade: se
tem interior não vazio,
;
Ou seja, uma figura de interior não vazio tem Área positiva (BELLEMAIN; LIMA, 2002).
ii) aditividade:
, se
e
são “quase disjuntos”, isto é, se
contém, quando muito, pontos de suas fronteiras;
Isto é, se duas figuras
e
que têm em comum no máximo pontos de suas fronteiras, então a Área da figura
, união de
e
, é a soma da Área de
com a Área de
(BELLEMAIN; LIMA, 2002).
iii) invariância por isometrias: se uma figura plana
é transformada em outra,
, de modo que a distância entre dois pontos quaisquer de
fica inalterada em
, então,
.
Em outros termos, se uma figura plana
é transformada em outra,
, de modo que a distância entre dois pontos quaisquer de
fica inalterada em
, então,
e
têm a mesma Área (BELLEMAIN; LIMA, 2002).
Adotadas as propriedades acima, os autores impõem a questão matemática de caracterizar o domínio
da função
. Eles destacaram que, se são exigidas as condições acima para a função área, não é possível medir todo subconjunto do plano. Desse modo, é preciso saber quais superfícies são mensuráveis por
. Esse é um tema próprio da Teoria da Medida, que é contornado pelos autores ao convencionarem que
satisfaz a axiomas que asseguram que as figuras planas da matemática escolar são mensuráveis, entre outros:
Axioma 1. Se
, então
e
.
representa a diferença dos conjuntos
e
, que é o conjunto dos elementos de
que não estão em
(LIMA, 1995).
Axioma 2. Os quadrados pertencem a
.
Axioma 3. Se
é limitado e
com
, para todo
, então,
.
Os autores tomaram, então, um quadrado
, para superfície unitária. Para quadrado unitário é, em geral, escolhido aquele cujo lado é um segmento unitário, isto é, de comprimento 1. Portanto, sejam
esse quadrado e
a função área tal que
. Estabelece-se, então, a terminologia:
, é a Medida de Área da superfície
, na unidade de medida
. Com isso, uma figura
que se possa construir como união finita de quadrados unitários quase disjuntos pertence a
e o valor
é o número de quadrados unitários contidos na figura (LIMA, 1995).
Na etapa seguinte da construção da função
, os autores ressaltaram um instrumento fundamental que são as fórmulas de área. Se
é um quadrado qualquer cujo lado tem comprimento de medida inteira
, pode-se ver, de imediato, que
. Por subdivisão apropriada do lado do quadrado
, deduz-se que, se
tem lado racional
, também será
. Esta mesma fórmula vale mesmo se
é irracional. Para se deduzir tal fato, no entanto, é necessário que se adote mais uma propriedade a ser verificada pela função
. A função
que o satisfaça poderá ser calculada em quadrados de lado com medida irracional e, mais geralmente ainda, em superfícies de fronteiras curvas. Uma formulação possível é:
Axioma 4. Aditividade para uniões enumeráveis: se
e
com
e
, então,
. (Expressão da Área como a soma de uma série).
O cálculo do valor
envolve a passagem ao limite de uma sequência de valores que são as somas parciais da série
, onde
é uma das figuras que compõem
. Dessa forma surge o conceito de Área aproximada de uma superfície. O valor
é, na prática, obtido pelo valor de somas parciais de
com a aproximação desejada (LIMA, 1995).
Tais axiomas permitem, por outro lado, a demonstração de que uma função área
satisfazendo às condições acima referidas está definida em todos os quadrados, triângulos e em todas as superfícies que se decompõem em uniões finitas de triângulos cujos interiores sejam disjuntos dois a dois. Em suma, em toda superfície poligonal. Mais ainda, uma figura plana
, mesmo não poligonal, isto é, com fronteiras curvas, que pode ser definida como união enumerável de superfícies mensuráveis, é mensurável (LIMA, 1995).
O autor destaca que se a superfície unitária for mudada, é possível deduzir que a função
, definida em
da forma indicada acima é única. Para isso, os autores consideraram, então,
uma função área, definida em
(satisfazendo, então, aos axiomas de positividade, aditividade e invariância por isometrias) tal que
. A superfície
é uma nova superfície unitária. Seja
e tome a função
. Vemos que
é também uma função área definida em
. Temos, portanto,
. Mas sabemos que a única função área que atende a essas condições é
. Logo,
, isto é,
e, portanto,
. Isto é, dadas duas funções área quaisquer,
, definidas em
, elas diferem apenas por um fator de proporcionalidade. A questão que o autor põe neste ponto é a de explicitar uma estrutura matemática na qual se defina o termo área.
Dada uma função área
, definida em
, verificamos sua sobrejeção, isto é, dado um valor real positivo
, existe uma superfície
, tal que
. Mas
não é injetiva, pois há um conjunto de superfícies de
, representado por
, tal que, para toda superfície
em
, tem-se
(LIMA, 1995).
O conjunto das superfícies mensuráveis
pode ser dividido em classes disjuntas. Além disso, essas classes de equivalência não dependem da função área escolhida. Em outras palavras, partir de outra função área,
, (que se sabe, é igual a
, para algum
), podemos ver que
, para todo
. Concluímos que
fica dividido em classes disjuntas
. O conjunto dessas classes,
, é o conjunto das áreas. Dada uma superfície
, sua classe,
, é a Área
, isto é, o conjunto de todas as superfícies que têm a mesma Área que
, quando medidas por qualquer função área (LIMA, 1995).
Nesse conjunto de classes,
constituído, os autores puderam definir uma relação de ordem e duas operações, a adição de duas classes e a multiplicação de uma classe por um número, que satisfazem a propriedades análogas às de um espaço vetorial unidimensional sobre os reais. O conjunto
é uma estrutura matemática que permite o tratamento abstrato do conceito de Área, sendo um caso particular de um “domínio de quantidades”.
2.3.3.1 Cálculo de Áreas: Integral de Riemann
Para rever a introdução do conceito de Integral de Riemann, utilizado no cálculo de Áreas, utilizamos Guidorizzi (2001, p. 302-311).
Sejam
uma função definida em
e
um número real. Dizemos que
tende a
, quando
, e escrevemos
se, para todo
, existir um
que só dependa de
mas não da particular escolha dos
, tal que
para toda partição
de
, com
.
Tal número
, que quando existe é único, denomina-se integral de Riemann de
em
e indica-se por
. Então, por definição
.
Se
existe, então diremos que
é integrável segundo Riemann em
.
Ainda por definição,
e
.
Teorema. Sejam
integráveis em
e
uma constante. Então,
a)
é integrável em
e
.
b)
é integrável em
e
.
c) Se
em
, então
.
d) Se
e
é integrável em
e em
então
.
Seja
contínua em
, com
em
. Podemos definir a Área do conjunto
do plano limitado pelas retas
,
,
e pelo gráfico de
.
Seja, então,
uma partição de
e sejam
e
em
tais que
é o valor mínimo e
o valor máximo de
em
. Uma definição para a Área de
deverá implicar que a soma de Riemann
seja uma aproximação por falta da Área de
e que
seja uma aproximação por excesso, isto é,
.
Como as somas de Riemann mencionadas tendem a
, quando
, nada mais natural do que definir a Área de
por
.
Da mesma forma define-se Área de
no caso em que
é uma função integrável qualquer, com
em
.
2.3.3.2 Cálculo de Volumes: Aplicações da Integral
Também trazemos Guidorizzi (2001, p. 411-412) para introduzir cálculo de Volumes utilizando integral.
Sabendo que
é a fórmula que fornece o Volume do sólido de revolução obtido pela rotação, em torno do eixo
, do conjunto
. Observemos que
é a Área de interseção do sólido com o plano perpendicular ao eixo
e passando pelo ponto de abcissa
. Assim, o Volume mencionado anteriormente pode ser colocado na forma
.
Seja, portanto,
um sólido qualquer, não necessariamente de revolução e seja
um eixo escolhido arbitrariamente. Suponhamos que o sólido esteja compreendido entre dois planos perpendiculares a
, que interceptam o eixo
em
e em
. Seja
a Área de interseção do sólido com o plano perpendicular a
no ponto de abscissa
. Suponhamos que a função
seja integrável em
. Definimos, então, o Volume do sólido por
.
Exposto o referencial teórico, no capítulo seguinte descrevemos o percurso metodológico da pesquisa.
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