2.3.3 Medida de Área

Utilizamos Lima (1995, p. 51-53) e Bellemain e Lima (2002) para apresentar uma estrutura matemática para o conceito de Área de superfícies planas, para o processo de medir área. Inicialmente, os autores convencionaram que o termo superfície significa um conjunto limitado do plano euclidiano. O ponto de partida foi definir uma função f, chamada função área, em um conjunto \boldsymbol S de superfícies, com valores em \mathbb{R}^{+} (os números reais não negativos) e que possua certas propriedades julgadas apropriadas para caracterizarem a Grandeza área, a saber:

i) positividade: se A tem interior não vazio, f(A)>0;

Ou seja, uma figura de interior não vazio tem Área positiva (BELLEMAIN; LIMA, 2002).

ii) aditividade: f(A \cup B)=f(A)+f(B), se A e B são “quase disjuntos”, isto é, se A \cap B contém, quando muito, pontos de suas fronteiras;

Isto é, se duas figuras A e B que têm em comum no máximo pontos de suas fronteiras, então a Área da figura A \cup B, união de A e B, é a soma da Área de A com a Área de B (BELLEMAIN; LIMA, 2002).

iii) invariância por isometrias: se uma figura plana A é transformada em outra, B, de modo que a distância entre dois pontos quaisquer de A fica inalterada em B, então, f(A)=f(B).

Em outros termos, se uma figura plana A é transformada em outra, B, de modo que a distância entre dois pontos quaisquer de A fica inalterada em B, então, A e B têm a mesma Área (BELLEMAIN; LIMA, 2002).

Adotadas as propriedades acima, os autores impõem a questão matemática de caracterizar o domínio \boldsymbol S da função f. Eles destacaram que, se são exigidas as condições acima para a função área, não é possível medir todo subconjunto do plano. Desse modo, é preciso saber quais superfícies são mensuráveis por f. Esse é um tema próprio da Teoria da Medida, que é contornado pelos autores ao convencionarem que \boldsymbol S satisfaz a axiomas que asseguram que as figuras planas da matemática escolar são mensuráveis, entre outros:

Axioma 1. Se A \in \boldsymbol{S}, B \in \boldsymbol{S}, então A \cup B \in \boldsymbol{S} e A \setminus B \in \boldsymbol{S}.

A \setminus B representa a diferença dos conjuntos A e B, que é o conjunto dos elementos de A que não estão em B (LIMA, 1995).

Axioma 2. Os quadrados pertencem a \boldsymbol S.

Axioma 3. Se A é limitado e A= \sum_{n=0}^{\infty}A_{n} com A_{n} \in \boldsymbol{S}, para todo n, então, A \in \boldsymbol{S}.

Os autores tomaram, então, um quadrado U, para superfície unitária. Para quadrado unitário é, em geral, escolhido aquele cujo lado é um segmento unitário, isto é, de comprimento 1. Portanto, sejam U esse quadrado e f_{U} a função área tal que f_{U}(U)=1. Estabelece-se, então, a terminologia: f_{U}(A), é a Medida de Área da superfície A, na unidade de medida U. Com isso, uma figura A que se possa construir como união finita de quadrados unitários quase disjuntos pertence a \boldsymbol S e o valor f_{U}(A) é o número de quadrados unitários contidos na figura (LIMA, 1995).

Na etapa seguinte da construção da função f_{U}, os autores ressaltaram um instrumento fundamental que são as fórmulas de área. Se A é um quadrado qualquer cujo lado tem comprimento de medida inteira a, pode-se ver, de imediato, que f_{U}(A)=a^{2}. Por subdivisão apropriada do lado do quadrado U, deduz-se que, se A tem lado racional a, também será f_{U}(A)=a^{2}. Esta mesma fórmula vale mesmo se a é irracional. Para se deduzir tal fato, no entanto, é necessário que se adote mais uma propriedade a ser verificada pela função f_{U}. A função f_{U} que o satisfaça poderá ser calculada em quadrados de lado com medida irracional e, mais geralmente ainda, em superfícies de fronteiras curvas. Uma formulação possível é:

Axioma 4. Aditividade para uniões enumeráveis: se A \in \boldsymbol{S} e A= \sum_{n=0}^{\infty}A_{n} com A_{n} \in \boldsymbol{S} e A_{n} \cap A_{n+1}=\varnothing, então, f(A)= \sum_{n=0}^{\infty}f(A_{n}). (Expressão da Área como a soma de uma série).

O cálculo do valor f_{U}(A) envolve a passagem ao limite de uma sequência de valores que são as somas parciais da série \sum f_{U}(A_{n}), onde A_{n} é uma das figuras que compõem A. Dessa forma surge o conceito de Área aproximada de uma superfície. O valor f_{U}(A) é, na prática, obtido pelo valor de somas parciais de \sum f_{U}(A_{n}) com a aproximação desejada (LIMA, 1995).

Tais axiomas permitem, por outro lado, a demonstração de que uma função área f_{U} satisfazendo às condições acima referidas está definida em todos os quadrados, triângulos e em todas as superfícies que se decompõem em uniões finitas de triângulos cujos interiores sejam disjuntos dois a dois. Em suma, em toda superfície poligonal. Mais ainda, uma figura plana A, mesmo não poligonal, isto é, com fronteiras curvas, que pode ser definida como união enumerável de superfícies mensuráveis, é mensurável (LIMA, 1995).

O autor destaca que se a superfície unitária for mudada, é possível deduzir que a função f_{U}, definida em \boldsymbol S da forma indicada acima é única. Para isso, os autores consideraram, então, f_{W} uma função área, definida em \boldsymbol S (satisfazendo, então, aos axiomas de positividade, aditividade e invariância por isometrias) tal que f_{W}(W)=1. A superfície W é uma nova superfície unitária. Seja \lambda =f_{W}(U) e tome a função g=1/ \lambda f_{W}. Vemos que g é também uma função área definida em \boldsymbol S. Temos, portanto, g(U)=(1/ \lambda) f_{W}(U)=(1/ \lambda) \cdot \lambda =1. Mas sabemos que a única função área que atende a essas condições é f_{U}. Logo, g=f_{U}, isto é, (1/ \lambda)f_{W}=f_{U} e, portanto, \boldsymbol{f_{W}}= \lambda \boldsymbol{f_{U}}. Isto é, dadas duas funções área quaisquer, f, h, definidas em \boldsymbol S, elas diferem apenas por um fator de proporcionalidade. A questão que o autor põe neste ponto é a de explicitar uma estrutura matemática na qual se defina o termo área.

Dada uma função área f, definida em \boldsymbol S, verificamos sua sobrejeção, isto é, dado um valor real positivo \mu, existe uma superfície A, tal que f(A)= \mu. Mas f não é injetiva, pois há um conjunto de superfícies de \boldsymbol S, representado por \boldsymbol{S}(f)_{\mu}, tal que, para toda superfície B em \boldsymbol{S}(f)_{\mu}, tem-se f(B)=f(A)= \mu (LIMA, 1995).

O conjunto das superfícies mensuráveis \boldsymbol S pode ser dividido em classes disjuntas. Além disso, essas classes de equivalência não dependem da função área escolhida. Em outras palavras, partir de outra função área, h, (que se sabe, é igual a \lambda f, para algum \lambda), podemos ver que \boldsymbol{S}(f)_{\mu}= \boldsymbol{S}(h)_{\mu}, para todo \mu. Concluímos que \boldsymbol S fica dividido em classes disjuntas \boldsymbol{S_{\mu}}. O conjunto dessas classes, \boldsymbol{\underline S}, é o conjunto das áreas. Dada uma superfície A, sua classe, \underline A, é a Área \underline A, isto é, o conjunto de todas as superfícies que têm a mesma Área que A, quando medidas por qualquer função área (LIMA, 1995).

Nesse conjunto de classes, \boldsymbol{\underline S} constituído, os autores puderam definir uma relação de ordem e duas operações, a adição de duas classes e a multiplicação de uma classe por um número, que satisfazem a propriedades análogas às de um espaço vetorial unidimensional sobre os reais. O conjunto S é uma estrutura matemática que permite o tratamento abstrato do conceito de Área, sendo um caso particular de um “domínio de quantidades”.

 

2.3.3.1 Cálculo de Áreas: Integral de Riemann

 

Para rever a introdução do conceito de Integral de Riemann, utilizado no cálculo de Áreas, utilizamos Guidorizzi (2001, p. 302-311).

Sejam f uma função definida em [a, b] e L um número real. Dizemos que \sum_{i=1}^{n}f(c_{i}) \Delta x_{i} tende a L, quando máx \Delta x_{i} \rightarrow 0, e escrevemos \lim_{máx \Delta x_{i} \rightarrow 0} \sum_{i=1}^{n}f(c_{i}) \Delta x_{i}=L se, para todo \varepsilon >0, existir um \delta >0 que só dependa de \varepsilon mas não da particular escolha dos c_{i}, tal que |\sum_{i=1}^{n}f(c_{i}) \Delta x_{i}-L|< \varepsilon para toda partição P de [a, b], com máx \Delta x_{i}< \delta.

Tal número L, que quando existe é único, denomina-se integral de Riemann de f em [a, b] e indica-se por \int_{a}^{b}f(x)dx. Então, por definição \int_{a}^{b}f(x)dx= \lim_{máx \Delta x_{i} \rightarrow 0} \sum_{i=1}^{n}f(c_{i}) \Delta x_{i}.

Se \int_{a}^{b}f(x)dx existe, então diremos que f é integrável segundo Riemann em [a, b].

Ainda por definição, \int_{a}^{b}f(x)dx=0 e \int_{a}^{b}f(x)dx=-\int_{a}^{b}f(x)dx (a<b).

Teorema. Sejam f, g integráveis em [a, b] e k uma constante. Então,

a) f+g é integrável em [a, b] e

\int_{a}^{b}[f(x)+g(x)]dx=\int_{a}^{b}f(x)dx+ \int_{a}^{b}g(x)dx.

b) kf é integrável em [a, b] e \int_{a}^{b}kf(x)dx=k \int_{a}^{b}f(x)dx.

c) Se f(x) \geq 0 em [a, b], então \int_{a}^{b}f(x)dx \geq 0.

d) Se c \in \; ]a, b[ e f é integrável em [a, c] e em [c, b] então

\int_{a}^{b}f(x)dx= \int_{a}^{c}f(x)dx+ \int_{c}^{b}f(x)dx.

Seja f contínua em [a, b], com f(x) \geq 0 em [a, b]. Podemos definir a Área do conjunto A do plano limitado pelas retas x=a, x=b, y=0 e pelo gráfico de y=f(x).

Seja, então, P:a=x_{0}<x_{1}<x_{2}<...<x_{n}=b uma partição de [a, b] e sejam \bar{c_{i}} e \bar{\bar{c_{i}}} em [x_{i-1}, x_{i}] tais que f(\bar{c_{i}}) é o valor mínimo e f(\bar{\bar{c_{i}}}) o valor máximo de f em [x_{i-1}, x_{i}]. Uma definição para a Área de A deverá implicar que a soma de Riemann \sum_{i=1}^{n}f(\bar{c_{i}}) \Delta x_{i} seja uma aproximação por falta da Área de A e que \sum_{i=1}^{n}f(\bar{\bar{c_{i}}}) \Delta x_{i} seja uma aproximação por excesso, isto é, \sum_{i=1}^{n}f(\bar{c_{i}}) \Delta x_{i} \leq área de A \leq \sum_{i=1}^{n}f(\bar{\bar{c_{i}}}) \Delta x_{i}.

Como as somas de Riemann mencionadas tendem a \int_{a}^{b}f(x)dx, quando máx \Delta x_{i} \rightarrow 0, nada mais natural do que definir a Área de A por área \; de \; A= \int_{a}^{b}f(x)dx.

Da mesma forma define-se Área de A no caso em que f é uma função integrável qualquer, com f(x) \geq 0 em [a, b].

 

2.3.3.2 Cálculo de Volumes: Aplicações da Integral

 

Também trazemos Guidorizzi (2001, p. 411-412) para introduzir cálculo de Volumes utilizando integral.

Sabendo que \pi \int_{a}^{b} [f(x)]^{2} dx é a fórmula que fornece o Volume do sólido de revolução obtido pela rotação, em torno do eixo x, do conjunto A=\{(x, y) \in \mathbb{R} | a \leq x \leq b, 0 \leq y \leq f(x) \}. Observemos que A(x)= \pi [f(x)]^{2} é a Área de interseção do sólido com o plano perpendicular ao eixo x e passando pelo ponto de abcissa x. Assim, o Volume mencionado anteriormente pode ser colocado na forma

volume= \int_{a}^{b} A(x) dx.

Seja, portanto, B um sólido qualquer, não necessariamente de revolução e seja x um eixo escolhido arbitrariamente. Suponhamos que o sólido esteja compreendido entre dois planos perpendiculares a x, que interceptam o eixo x em x=a e em x=b. Seja A(x) a Área de interseção do sólido com o plano perpendicular a x no ponto de abscissa x. Suponhamos que a função A(x) seja integrável em [a, b]. Definimos, então, o Volume do sólido por

Volume= \int_{a}^{b} A(x) dx.

Exposto o referencial teórico, no capítulo seguinte descrevemos o percurso metodológico da pesquisa.

 


2.3.2 Medida


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