Este texto tem como objetivo analisar as concepções de Inteligência Artificial aplicadas à Educação, destacando como diferentes modelos pedagógicos, de domínio e do aluno podem contribuir para personalizar a aprendizagem, apoiar professores e ampliar o alcance do ensino. A análise busca compreender tanto as potencialidades quanto os limites dessa integração entre tecnologia e prática educativa.
A autora em destaque é Rose Luckin, professora do University College London (UCL), reconhecida internacionalmente como uma das maiores especialistas em Inteligência Artificial e Educação. Sua pesquisa se concentra na personalização do ensino, aprendizagem adaptativa e na ética do uso da IA, com obras de grande impacto como Intelligence Unleashed: An Argument for AI in Education (2016). Luckin tem desempenhado um papel fundamental na legitimação do debate global sobre IA na Educação, articulando ciência, prática pedagógica e inovação tecnológica
O texto em análise apresenta como a IA pode abrir a chamada “caixa preta da aprendizagem”, oferecendo novos caminhos para compreender o processo educativo em profundidade. Ele discute os modelos centrais da Inteligência Artificial Educacional (AIEd), explora aplicações como sistemas de tutoria inteligente e aprendizagem colaborativa apoiada por algoritmos, e projeta possibilidades para o futuro da educação com o apoio de tecnologias cada vez mais sofisticadas
Luckin, Rose. Machine Learning and Human Intelligence: The Future of Education for the 21st Century. UCL IOE Press, 2018. ISBN 978-1782772528. Disponível aqui.
Muitas ferramentas de ponta se infiltraram em aplicações gerais prometendo serem frutos de inteligência artificial, muitas vezes sem serem chamadas de IA porque uma vez que algo se torna útil e comum o suficiente não é mais rotulado como IA. Em vez disso, essas ferramentas são consideradas programas de computador, algoritmos ou aplicativos, mas não IA.
IA são sistemas computacionais projetados para interagir com o mundo por meio de capacidades específicas (ex: percepção visual e reconhecimento de fala) e comportamentos inteligentes (ex: avaliar as informações disponíveis e, em seguida, tomar a ação mais sensata para atingir um objetivo declarado) que consideraríamos essencialmente humanos. Diante desse cenário, muitos cientistas alertam para a IA se tornar inteligente demais, a ponto de se retroalimentar. Assim, seria viável a criação da chamada IA Geral. A IA geral é muito diferente da “IA de domínio específico”, popularizada atualmente.
A IA na Educação pode auxiliar a abrir a “caixa preta da aprendizagem”, fornecendo uma compreensão mais profunda e refinada de como a aprendizagem realmente acontece (ex: qual será a influência do contexto socioeconômico e físico do aluno ou da tecnologia na aprendizagem?). Essa compreensão pode então ser aplicada ao desenvolvimento de futuros softwares de IA e, principalmente, pode também informar abordagens de aprendizagem que não envolvam tecnologia.
Esse conhecimento sobre o mundo é representado nos chamados “modelos”. Existem três modelos principais no cerne da IAEd: o modelo pedagógico, o modelo de domínio e o modelo do aluno.
Modelo pedagógico
O conhecimento e a experiência do ensino
- ‘Falha produtiva’ (permitir que os alunos explorem um conceito e cometam erros antes de receberem a resposta ‘certa’)
- Feedback (perguntas, dicas ou tátil), desencadeado pelas ações do aluno, que visa ajudar o aluno a melhorar sua aprendizagem
- Avaliação para informar e mensurar a aprendizagem
Modelo de domínio
Conhecimento do assunto que está sendo aprendido (experiência de domínio)
- Como somar, subtrair ou multiplicar duas frações
- Segunda lei de Newton (forças)
- Causas da Primeira Guerra Mundial
- Como estruturar um argumento
- Diferentes abordagens para ler um texto (por exemplo, para obter sentido ou detalhes)
Modelo do aluno
- Conhecimento do aluno
- As conquistas e dificuldades anteriores do aluno
- O estado emocional do aluno
- O envolvimento do aluno na aprendizagem (por exemplo: tempo dedicado à tarefa)
Um exemplo prático, utilizando os três modelos citados, como o modelo do aluno (conhecimento do aluno individual), o modelo pedagógico (conhecimento do ensino) e o modelo de domínio (conhecimento do assunto que está sendo aprendido e das relações entre as diferentes partes desse assunto), é uma IA que trabalhe com feedback individual e adaptativo por aluno. Neste caso, os algoritmos do AIEd (implementados no código computacional do sistema) processam esse conhecimento para selecionar o conteúdo mais apropriado a ser entregue ao aluno, de acordo com suas capacidades e necessidades individuais.
Alguns sistemas incluem os chamados Modelos Abertos de Aprendizagem, que apresentam os resultados da análise aos alunos e professores. Geram informações valiosas
sobre as conquistas do aluno, seu estado afetivo ou quaisquer concepções errôneas que ele tenha. Isso pode ajudar professores a entenderem a abordagem de aprendizagem de seus alunos e permite que moldem futuras experiências de aprendizagem de forma adequada. Para os alunos, os Modelos Abertos de Aprendizagem podem ajudar a motivá-los, permitindo que acompanhem seu próprio progresso, e também incentivá-los a refletir sobre sua aprendizagem.

Além dos modelos de aprendizagem, pedagógicos e de domínio, pesquisadores de AIEd também desenvolveram modelos que representam os aspectos sociais, emocionais e metacognitivos da aprendizagem, enriquecendo mais ainda a análise. Assim, a AIEd pode ajudar no fornecimento de três categorias de aplicativos de software:
- tutores pessoais para cada aluno;
- suporte inteligente para aprendizagem colaborativa;
- realidade virtual inteligente.
Falando especificamente da tutoria, sabe-se que desde Aristóteles e Alexandre, o grande, esse modelo é o mais eficaz de ensino e aprendizagem. Porém, é insustentável, por seu custo e , pela necessidade de profissionais qualificados por estudante. Por isso, surge a ideia do Sistemas de Tutoria Inteligente (ITS – Intelligent Tutoring Systems). Eles usam técnicas de aprendizado de máquina, algoritmos de autotreinamento baseados em grandes conjuntos de dados e redes neurais, para permitir tomadas de decisões adequadas sobre qual conteúdo de aprendizagem fornecer ao aluno.
Existe uma variedade de ferramentas de AIEd, como aquelas que:
- Modelam os estados cognitivos e afetivos dos alunos;
- Usam o diálogo para envolver o aluno em experiências de aprendizagem socráticas, ou seja, experiências de aprendizagem que envolvem investigação e discussão, questionamento e resposta;
- Incluem modelos de aprendizagem abertos para promover a reflexão e a autoconsciência;
- Adotam estruturas metacognitivas (por exemplo, fornecendo ajuda dinâmica ou usando uma estrutura narrativa) para aumentar a motivação e o engajamento do aluno;
- Usam modelos de simulação social, como aqueles para permitir que alunos de línguas se envolvam com mais sucesso com falantes de sua língua-alvo, compreendendo normas culturais e sociais.
Quando se trabalha numa análise de aprendizado em grupo, é possível ter a AIEd para contribuir. É possível, por exemplo, chegar a quatro abordagens:
- Formação de grupos adaptativos (grupos mais adequados para cada atividade);
- Facilitação especializada (suporte interativo aos alunos colaboradores, com identificação das melhores estratégias);
- Agentes virtuais (mediar interações ou apenas contribuir com o diálogo);
- Moderação inteligente (analisa e resume discussões).
É fato que professores precisam ser agentes centrais nesse processo. A AIEd está bem posicionada para assumir algumas das tarefas que atualmente esperamos que os professores realizem, como correção e manutenção de registros, por exemplo. A partir daí, a liberdade de tarefas rotineiras e demoradas permitirá que os professores tenham mais tempo para investir em ações mais criativas e humanas. para isso, os professores precisarão:
- Uma compreensão sofisticada do que os sistemas de IA podem fazer para capacitá-los a avaliar e fazer julgamentos de valor sólidos sobre novos produtos de IA;
- Desenvolver habilidades de pesquisa para permitir que interpretem os dados fornecidos pelas tecnologias de IA, façam as perguntas mais úteis sobre os dados e orientem os alunos sobre o que a análise de dados está dizendo a eles (ex: modelos Open Learner);
- Novas habilidades de trabalho em equipe e gestão, já que cada professor terá assistentes de IA, além de seus assistentes de ensino humanos habituais (inclusive, muitos sequer os tem), e eles serão responsáveis por combinar e gerenciar esses recursos da forma mais eficaz.
O Futuro da IA na Educação
Usando o AIEd para efetuar a reforma do sistema de educação
Em 15 anos, muitos dos novos empregos criados serão muito mais exigentes cognitivamente do que os atualmente disponíveis.
Os alunos precisarão aprender de forma tão eficiente e eficaz quanto possível.
Como o AIEd pode ajudar:
- Fornecer a cada aluno seu próprio tutor pessoal, em cada disciplina.
- Fornecer a cada professor seu próprio assistente de ensino com IA.
- Oferecer desenvolvimento profissional contínuo, mais inteligente e oportuno para professores.
- Ajudar todos os pais a apoiar seriamente a aprendizagem de seus filhos.
Em 15 anos, habilidades sociais serão onde os humanos continuarão a se destacar.
Precisaremos considerar seriamente os fatores não-cognitivos que influenciam a aprendizagem – coragem, tenacidade e perseverança; afeto; ‘mentalidade’.
Como o AIEd pode ajudar:
- Ferramentas que incorporam novos insights da neurociência ou psicologia.
- Disponibilizando novos insights sobre como a aprendizagem está ocorrendo para um indivíduo e os fatores que a tornam mais provável de ocorrer.
- Fornecendo o suporte certo, no momento certo, para manter a aprendizagem no caminho certo.
Os alunos precisarão desenvolver habilidades de ordem superior. Por exemplo, resolução de problemas, ao lado do ‘saber o quê’.
Como o AIEd pode ajudar:
- Realidade Virtual Inteligente para permitir que os alunos aprendam em ambientes autênticos – e para transferir essa aprendizagem de volta para o mundo real.
Os alunos precisam ser solucionadores de problemas e criadores colaborativos eficazes, capazes de construir sobre as ideias de outros e estender e criticar sensivelmente um argumento.
Como o AIEd pode ajudar:
- Suporte inteligente para aprendizagem colaborativa.
A capacidade de se dar bem com os outros, de ter empatia e criar uma conexão humana, continuará a ser valorizada.
Como o AIEd pode ajudar:
- Técnicas de AIEd para nos ajudar a entender melhor como entregar uma variedade mais ampla de atributos, e quão bem um aprendiz os está adquirindo.
Em 15 anos, precisaremos requalificar grandes partes da força de trabalho atual – em essência, criando uma sociedade que aprende ao longo da vida.
Precisaremos de novas formas de equipar os aprendizes adultos com novas habilidades – mais frequente, rápida e eficazmente.
Como o AIEd pode ajudar:
- Ferramentas que apoiam os aprendizes a se tornarem aprendizes eficazes e autorregulados para a aprendizagem ao longo da vida.
- Companheiros de aprendizagem ao longo da vida para aconselhar, recomendar e acompanhar a aprendizagem.
- Ambientes de aprendizagem mais flexíveis, permitindo que os alunos aprendam em um momento e em um local que funciona melhor para eles.
Em Alive in the Swamp, Michael Fullan e Katelyn Donnelly descrevem três forças poderosas que devem ser combinadas se quisermos cumprir a promessa da tecnologia de impulsionar a aprendizagem drasticamente para a frente. Uma é a pedagogia, ou a ciência de como ensinamos e aprendemos; a segunda é a tecnologia em si, sobre a qual já falamos bastante; e o componente final é a mudança sistêmica, ou nossa compreensão de como implementar a mudança para que ela tenha um impacto positivo em cada aluno.

o texto evidencia como a Inteligência Artificial pode se tornar uma aliada estratégica no processo educativo, oferecendo novas possibilidades de personalização, eficiência e apoio aos professores e estudantes. A reflexão conduzida por Rose Luckin não se limita ao aspecto técnico, mas enfatiza também dimensões éticas, sociais e humanas da aprendizagem mediada por IA. Assim, a análise reforça a necessidade de compreender essas tecnologias não apenas como ferramentas, mas como parte de uma transformação mais ampla no modo como ensinamos e aprendemos, apontando para um futuro em que a educação será cada vez mais integrada ao potencial inteligente das máquinas.
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