Quando a gente se pergunta o que é Inteligência Artificial na Educação (AIEd), Rose Luckin é um dos principais nomes para entender o que é AIEd e compreendê-la como sistemas de computador que combinam a inteligência artificial com as ciências da aprendizagem (como educação, psicologia, neurociência, linguística e antropologia). Os estudos de Rose Luckin perpassam por pesquisar ambientes de aprendizagem adaptativos e outras ferramentas que sejam flexíveis, inclusivas, personalizadas, envolventes e eficazes. Afinal, em sua essência, a AIEd busca tornar explícitos e computacionalmente precisos os conhecimentos educacionais, psicológicos e sociais que muitas vezes permanecem implícitos, oferecendo uma visão mais aprofundada de como a aprendizagem realmente acontece.
Luckin, Rose. Machine Learning and Human Intelligence: The Future of Education for the 21st Century. UCL IOE Press, 2018. ISBN 978-1782772528. Acesse aqui o material.
Machine Learning and Human Intelligence
O desafio principal da Inteligência Humana e Artificial na Educação
A autora Rosemary Luckin argumenta que o maior desafio de nossa era não é o avanço da inteligência artificial (IA), mas sim a forma como estamos desvalorizando e subestimando a inteligência humana. Ela sugere que, ao focar em medir e valorizar apenas aspectos como o conhecimento factual e as habilidades cognitivas rotineiras, estamos “emburrecendo” a nós mesmos e superestimando a capacidade das máquinas.
O cerne do problema, segundo Rose Luckin, é que as habilidades em que a IA se destaca, como o processamento rápido de grandes volumes de dados e a memorização de fatos, são precisamente aquelas que o nosso sistema educacional tradicional mais valoriza e avalia. Luckin defende que, para prosperar em um mundo aumentado pela IA, a educação precisa mudar seu foco para o que nos torna unicamente humanos.
O Modelo de “Inteligência Entrelaçada” (Interwoven Intelligence)
Para abordar essa questão, Rose Luckin propõe um novo modelo de “Inteligência Entrelaçada” (Interwoven Intelligence). Esse modelo holístico, que vai além das definições tradicionais de inteligência (como o QI), é composto por sete elementos que se interconectam e se desenvolvem ao longo da vida:
- Inteligência Acadêmica: conhecimento sobre o mundo, que não deve ser confundido com mera informação.
- Inteligência Social: habilidade de interação social, que é a base do pensamento individual e da inteligência comunitária. A IA não consegue replicar essa habilidade.
- Inteligência Metaconhecedora (Meta-knowing): conhecer sobre o conhecimento (epistemologia pessoal), ou seja, entender o que é o conhecimento, a natureza das evidências e como fazer julgamentos informados.
- Inteligência Metacognitiva: habilidade de conhecer e regular a própria atividade mental.
- Inteligência Metassubjetiva: habilidade de reconhecer, entender e regular as próprias emoções e motivações.
- Inteligência Metacontextual: conhecer e regular a interação do corpo e da mente com o ambiente físico, incluindo a capacidade de reconhecer vieses.
- Autoeficácia Percebida (Perceived Self-efficacy): o elemento mais importante da inteligência humana. É o julgamento preciso e baseado em evidências sobre a própria capacidade de ter sucesso em uma situação específica. A IA não tem essa capacidade.
Implicações para a Educação e o Papel do Professor
- Professor como arquiteto da inteligência: Rose Luckin defende que a IA não irá substituir os professores. Em vez disso, a IA pode assumir a tarefa de ensinar o conhecimento acadêmico (o Elemento 1) de forma consistente e individualizada. Isso liberaria o tempo do professor para focar no desenvolvimento dos outros seis elementos, que são exclusivamente humanos, como a inteligência social e a autoeficácia.
- Novas habilidades para professores: os educadores precisarão de apoio para desenvolver novas competências, como a interpretação de dados de aprendizagem fornecidos por sistemas de IA e a criação de ambientes de aprendizagem que promovam o desenvolvimento dos outros seis elementos da inteligência entrelaçada.
- Avaliação para o futuro: os exames tradicionais, que medem principalmente a memorização de fatos, precisam ser substituídos por novos modelos de progressão e avaliação. Esses modelos devem ser contínuos e focar no desenvolvimento de todos os sete elementos, especialmente a autoeficácia, que se torna a principal “moeda” da inteligência no mundo moderno.
- Alfabetização em IA para todos: a educação deve incluir o ensino sobre IA, não apenas para os futuros desenvolvedores, mas para que todos possam usar a tecnologia de forma eficaz, entender suas limitações e participar do debate ético sobre o que ela deve e não deve fazer.
Insights para avanços em pesquisa
Para avançar em uma pesquisa, é possível utilizar Rose Luckin como base rica e multifacetada, com várias direções, como:
- Desenvolvimento do modelo de inteligência: operacionalização do modelo de “Inteligência Entrelaçada”. Por exemplo, como os sete elementos podem ser traduzidos em competências e habilidades mensuráveis ou como as interconexões entre eles funcionam na prática.
- Projetos de currículo e pedagogia: propor e testar um modelo de currículo que se baseie nos sete elementos, integrando o aprendizado de fatos (via IA) com atividades focadas no desenvolvimento da inteligência social, como debates e projetos colaborativos.
- Novos métodos de avaliação: desenvolvimento de novas ferramentas e metodologias para avaliar a “autoeficácia percebida” dos alunos de forma precisa e ética. Rose Luckin sugere que a IA pode ser usada para coletar e analisar dados para esse fim, mas ressalta a importância de definir “signifiers” (significadores) humanos para que a IA busque nos dados. Estes significadores podem ser, inclusive, o estudo sobre o SAIC – Sistema de Análise de Interações Contingentes, criado pela professora Priscila Barros David. Clique aqui para acessar seu material científico.
- O Papel da IA no apoio metacognitivo e metassubjetivo: explorar como sistemas de IA podem ser projetados para ajudar os alunos a desenvolver a consciência sobre seus próprios processos de pensamento (metacognição) e estados emocionais (metassubjetivo), usando exemplos como os “Exit tickets” e as ferramentas de análise de dados.
- Ética e transparência em dados de aprendizagem: Rose Luckin levanta preocupações significativas sobre a privacidade e o uso de dados de alunos. É possível aprofundar com investigação sobre a criação de um framework ético para a coleta e o uso de dados educacionais, garantindo que os alunos e pais tenham um “consentimento informado” e que a tecnologia não perpetue vieses ou manipule o aprendizado.
A IA não é uma ameaça à inteligência, mas sim um espelho que revela o que subestimamos em nós mesmos.
Não é o avanço da inteligência artificial, mas sim a nossa própria desvalorização da inteligência humana. Luckin argumenta que, ao longo do tempo, a educação e a sociedade passaram a valorizar e a medir apenas as formas de inteligência que as máquinas fazem bem, como o conhecimento factual e o processamento de dados. Isso nos leva a uma situação em que as máquinas se tornam “mais inteligentes” do que nós nas tarefas que escolhemos valorizar, enquanto as qualidades verdadeiramente humanas são negligenciadas.
O Modelo de “Inteligência Entrelaçada” (Interwoven Intelligence)
Para combater essa visão limitada, a autora propõe um modelo holístico da inteligência humana, que ela chama de “Inteligência Entrelaçada”. Este é o principal insight de Rose Luckin ao falar sobre Machine Learning and Human Intelligence e o que o diferencia de outras discussões sobre IA. Como o modelo é composto por sete elementos, os mais cruciais são:
- Inteligência Acadêmica: o conhecimento tradicional, que a IA pode nos ajudar a adquirir e processar de forma mais eficiente.
- Os seis elementos exclusivamente humanos: Luckin argumenta que os outros seis elementos, como a inteligência social, a metacognição (conhecer a própria mente) e a autoeficácia (a crença na própria capacidade), são as nossas verdadeiras vantagens competitivas.
A grande mensagem pedagógica
O principal ponto pedagógico é a ideia de que a IA não irá substituir os professores, mas sim redefinir fundamentalmente seu papel. Se a IA pode ensinar o conhecimento factual (a inteligência acadêmica), o papel do professor se transforma em um “arquiteto da inteligência humana”. Isso significa que os educadores serão liberados das tarefas mais rotineiras para focar em desenvolver os seis elementos humanos nos alunos, habilidades que são inatingíveis para as máquinas.
Assim, é possível destacar a necessidade de uma mudança de paradigma na avaliação e no currículo. Rose Luckin propõe que o foco da educação não deve ser mais em memorizar e regurgitar fatos, mas sim em desenvolver a autoeficácia percebida. Ela argumenta que a autoeficácia é a “moeda” da inteligência no século XXI, pois é a capacidade de um indivíduo de usar a IA para resolver problemas complexos e confiar em suas próprias habilidades. Dessa maneira, é possível se aprofundar em como a IA pode ser usada para medir e nutrir essa autoeficácia nos alunos, criando um novo modelo de avaliação que vai muito além dos testes tradicionais.
Luckin, Rose. et al. Intelligence Unleashed: An Argument for AI in Education. Pearson, 2016. Disponível em https://oro.open.ac.uk/50104/
Rose Luckin reforça, neste outro material, que a AIEd se baseia em três modelos principais que representam o mundo real em um sistema de computador:
- Modelo pedagógico: o conhecimento e a experiência do ensino. Isso inclui estratégias como o “fracasso produtivo” (permitir que o aluno cometa erros para explorar um conceito), feedback e avaliação.
- Modelo de domínio: o conhecimento da matéria que está sendo aprendida, como a Segunda Lei de Newton ou como somar frações.
- Modelo do aluno: o conhecimento sobre o próprio aluno, incluindo suas conquistas e dificuldades anteriores, estado emocional e nível de engajamento na tarefa.
Insights e Aplicações Atuais da AIEd
A AIEd já está em uso e oferece ferramentas com grande potencial:
- Tutor pessoal para cada aluno: Sistemas de Tutoria Inteligente (ITS) simulam o ensino individualizado, adaptando as atividades e o feedback às necessidades cognitivas de cada aluno, mesmo sem a presença de um professor humano. Rose Luckin menciona sistemas que diagnosticam erros de alunos em matemática ou que consideram o estado emocional do estudante.
- Apoio à aprendizagem colaborativa: a colaboração é eficaz para a aprendizagem, mas nem sempre ocorre de forma espontânea. A AIEd pode ajudar na formação de grupos adaptativos, na facilitação por especialistas, no uso de agentes virtuais (como um tutor ou um “par” artificial) e na moderação inteligente de discussões.
- Realidade Virtual Inteligente: a AIEd pode aprimorar a realidade virtual, tornando as experiências imersivas mais interativas e adaptativas. Isso permite que os alunos explorem ambientes inacessíveis ou perigosos, como uma usina nuclear ou a Roma Antiga.
AIEd e a Transformação da Educação
Rose Luckin argumenta que a AIEd não substituirá os professores, mas sim transformará o papel do professor. Ao automatizar tarefas rotineiras, como a correção e o registro de notas, a AIEd liberará o tempo dos professores para que eles se dediquem a atividades mais criativas e humanas, como a empatia e a inovação. Para essa transformação, os professores precisarão de novas habilidades, como a capacidade de avaliar produtos de AIEd e interpretar os dados de aprendizagem fornecidos por essas ferramentas.
Além disso, a AIEd pode ajudar a:
- Desenvolver habilidades do século XXI: a AIEd pode rastrear o desenvolvimento de competências como criatividade e colaboração por meio da análise de dados detalhados, como o reconhecimento de voz e o rastreamento ocular.
- Melhorar a avaliação: a AIEd permite avaliações contínuas, “just-in-time” (na hora), embutidas nas atividades de aprendizagem, eliminando a necessidade de testes tradicionais de “parar e testar”.
- Apoiar a aprendizagem ao longo da vida: sistemas futuros de AIEd podem atuar como “companheiros de aprendizagem” que apoiam o aluno ao longo de toda a sua vida, ajudando-o a desenvolver uma mentalidade de crescimento e aprimorar suas habilidades.
Problemas identificados que podem ser solucionados:
- O “imperativo de inovação”: Rose Luckin argumenta que a AIEd é uma resposta necessária à automação de empregos. A tese pode explorar essa ideia, defendendo que a AIEd é crucial para preparar os alunos para o futuro do trabalho.
- “Wicked Issues” (Problemas complexos): a autora identifica desafios como as lacunas de desempenho e a retenção de professores.
- O “status quo”: Rose Luckin critica o fato de que a AIEd ainda é uma “indústria artesanal” e que muitas ideias permanecem nos laboratórios.
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